sábado, 6 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA - MÁRIO ALEXANDRE



TATUAGENS DE GUERRA

- Mário Alexandre, de sessenta e um anos, fez as suas únicas tatuagens durante a guerra, duas marcas negras no seu corpo. Tatuagens que, embora já estejam sumidas, lhe deixam um misto de recordações e arrependimentos. A primeira cinge-se ao seu primeiro nome no braço. “Uma experiência”, é assim que o ex-militar a caracteriza. A segunda é a mais importante. Pouco abaixo do seu ombro, Mário Alexandre transporta o símbolo da sua companhia. Foi em busca do seu depoimento que lhe realizámos uma entrevista.

- Antes de mais, muito obrigado por nos conceder esta entrevista. Estas duas tatuagens foram feitas durante a Guerra, certo?
- Sim, foi isso mesmo.

- Qual é que foi a primeira a ser feita?- Esta [a tatuagem do nome] foi a primeira. Foi para ver se doía muito [risos]. E doía como a porra! Depois ela ganhou crosta, sarou e só mais tarde é que eu fiz a outra.

- Em que Guerra é que você participou?- Foi na Guerra na Guiné… do Ultramar em 1971, 1973…

- Que idade é que tinha quando fez as tatuagens?
- É pá… Devia ter ano e meio de Guerra… Eu já devia estar com vinte e um anos… Sim!

- Porque é que você as fez?
- Eu fiz as tatuagens porque tinha que ser. Porque era o emblema da minha companhia. Éramos os Gaviões.

- Elas foram feitas por quem?
- Por um colega.

- E ele sabia como fazer tatuagens?
- Então, era só um desenho! O gajo sabia desenhar, por isso foi ele.

- Como é que ele as fazia?- Era com três agulhas embrulhadas, tinta-da-china e uma carica da cerveja a ferro frio. Melhor! Primeiro era com um marcador. Fazia-se o desenho depois eu dizia “É pá ‘tá bom!” E a seguir ele começava a fazer. Molhava a agulha na tinta-da-china que estava na carica… Tico, tico, tico… Uma picadela, uma molhadela. Uma picadela, uma molhadela…
- Depois o braço incha muito! Deitou muito sangue, então teve-se que fazer três passagens com um pano… E suporta dores! Hoje não o fazia, de maneira nenhuma! Eu depois andei com o braço todo dorido!

- Quanto tempo é que durou até o braço sarar?
- É pá isto durou muito tempo! Isto depois ganha costela, depois caiu… e ficou. Foi um mês… Andei assim um mês!

- Em que sitio é que lhe fizeram as tatuagens? Tinha algumas condições de higiene, por exemplo?
- Não! Aquilo não tinha condições nenhumas! Foi no meio do mato, numa barraca.

- Como você já disse a sua tatuagem tem um significado…
- Sim, é o símbolo da companhia.

- E para si? Ela tem algum significado?- Olha, não tem nada! Para mim não tem nada! Só significa a tontura dos vinte anos. Só isso!

- Já foi discriminado por possuir tatuagens?
- Não! Isso era o que mais faltava! Mas tenho pena, porque se eu voltasse à Guiné e as pessoas vissem as tatuagens diziam “Olha este gajo andou pela Guerra! Então anda cá que a gente corta-te o pescoço!”

- Você deseja fazer mais alguma tatuagem?
- Não! Nunca mais.

- Porquê?
- Porque não quero! Não sou nenhum porco para ser marcado!

- Se pudesse você removeria estas tatuagens?
- Ah, sim. Se pudesse já tinha tirado, tinha!

- Então, porque é que ainda não o fez?- Porque nunca me pus a isso, e também porque isto não deve ser fácil de tirar. Custa dinheiro e não deve ser nada fácil. Como é que se vai tirar isto? O braço já esteve em carne viva com um acidente e ela apareceu na mesma.

- Sr., Mário, muito obrigado!
- De nada!


DATA 06/02/2010  

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